O nada "tradicional" uso do veneno psicodélico do sapo Bufo Alvarius
- Felipe De Nadai
- 22 de mar.
- 18 min de leitura
Atualizado: 14 de mai.
O ritual com o veneno do sapo que excreta uma substância psicodélica até 10x mais forte que a DMT.

O Bufo alvarius, renomeado cientificamente como Incilius alvarius é uma espécie anfíbia reconhecida por sua capacidade de secretar toxinas que contêm compostos psicoativos, principalmente a 5-metoxi-N,N-dimetiltriptamina (5-MeO-DMT) e a bufotenina.
A coexistência do Incilius alvarius (Bufo alvarius) como um organismo natural e como fonte de uma substância psicoativa potente e estabelece uma intrincada relação entre as leis de conservação da vida selvagem, o uso de substâncias psicoativas de forma exploratória bem como as recentes práticas ritualísticas difundidas. Paralelamente, observa-se um aumento no interesse global na 5-MeO-DMT, impulsionado por relatos anedóticos e pesquisas preliminares que investigam seus potenciais usos terapêuticos e espirituais, em busca da suposta morte do ego. Essa popularidade ao mesmo tempo suscita debates sobre os benefícios da substância -- como os efeitos de rápida duração, barateando custos da logística de atendimento --, também contribui para uma maior atenção por parte das autoridades policiais e agências de conservação.

Popularmente chamado de Sapo do Rio Colorado ou Sapo do Deserto de Sonora Incilius alvarius (Bufo-alvarius) se destaca por ser o maior anfíbio nativo dos Estados Unidos, alcançando comprimentos entre 7 a 19 centímetros. No Brasil, um parente não distante é o sapo-cururu, também chamado de sapo-boi (Rhinella marina, mas também anteriormente chamado de "Bufo-marinus"). Sua coloração varia de um verde-oliva a um marrom escuro, ou até mesmo um tom acinzentado/esverdeado, e sua pele, apesar de coberta por verrugas, é considerada relativamente lisa e brilhante. Como características distintivas são as grandes glândulas parotoides em formato de rim (ou feijões) localizadas atrás de seus olhos, axilas e lombar, com diâmetro de 0,3 a 1,5cm. Outras características incluem uma barriga de cor creme, a presença de uma ou duas verrugas nos cantos da boca e grandes verrugas elevadas nas patas traseiras. Cristas cranianas proeminentes acima dos olhos, pupilas horizontais, um tímpano de cor pálida e uma verruga branca no canto da boca também auxiliam na identificação da espécie.
O Incilius alvarius (Bufo-alvarius) é conhecido principalmente pela secreção de toxinas de suas glândulas parotóides, as quais possuem propriedades psicoativas. Quando importunados, os sapos inflam o corpo e posicionam as suas parotóides em direção ao agressor. O envenenamento, entretanto, só ocorre, se o predador morder o sapo e a secreção das glândulas entrar em contato principalmente com a sua mucosa oral, configurando a defesa passiva típica dos anfíbios. O interesse moderno nessas secreções para fins psicoativos ganhou força após a publicação de um panfleto em 1983 e a posterior elucidação da identidade do autor, Albert Most, por Hamilton Morris em 2019, porém publicada a história apenas no ano seguinte.
O gênero e a espécie
A taxonomia do Incilius alvarius demonstra a natureza dinâmica e nada estática da classificação científica e nomeação biológica: inicialmente classificado sob o gênero Bufo, o sapo do Rio Colorado foi posteriormente movido para o gênero Incilius por muitas autoridades taxonômicas. Essa reclassificação, baseada em análises filogenéticas que examinam as relações evolutivas entre os organismos, buscou estabelecer grupos de gênero homogêneos. O até então gênero Bufo foi identificado como parafilético, o que significa que ele não incluía todos os descendentes de um ancestral comum, levando à necessidade de subdividi-lo para melhor refletir a história evolutiva dos sapos. O nome Incilius representa a designação mais antiga para este grupo de sapos.
Apesar da aceitação do gênero Incilius na comunidade científica, o nome Bufo alvarius ainda possui ampla circulação, especialmente em contextos não estritamente acadêmicos como os movimentos neoxamânicos e "new-age" e na literatura popular relacionada ao uso psicoativo da secreção contendo 5-meo-DMT que é excretada pelas glândulas do sapo. Essa persistência da nomenclatura mais antiga pode gerar confusão, portanto, aqui usarei o nome correto, Incilius, seguido pelo nome Bufo por conta de seu reconhecimento a relevância histórica e o uso contínuo do termo Bufo em rodas neoxamanicas, portanto, teremos as duas grafias.

A distribuição geográfica do Incilius alvarius (Bufo Alvarius) está concentrada no sudoeste dos Estados Unidos e no noroeste do México. Nos Estados Unidos, ele é encontrado no sul do Arizona e no extremo sudoeste do Novo México. Historicamente, sua ocorrência se estendia pelo sudeste da Califórnia, mas há relatos de que ele não é avistado nessa região desde a década de 1970, sendo considerado possivelmente extirpado. No México, a espécie é encontrada nos estados de Sonora, Sinaloa e Chihuahua sendo a maior concentração da espécie é observada na região do Deserto de Sonora. O status de conservação da espécie varia regionalmente: enquanto é considerado comum na maior parte de sua área de distribuição, ele é classificado como ameaçado no Novo México e possivelmente extinto na Califórnia. O habitat do Incilius alvarius (Bufo Alvarius) é caracterizado por áreas desérticas e semiáridas, incluindo brejos e bosques áridos por ser uma espécie semi-aquática, geralmente vive perto de fontes de água permanentes ou temporárias, como grandes riachos, nascentes, piscinas de chuva, canais de irrigação e valas de drenagem. Em períodos de seca ou temperaturas extremas, o sapo pode se refugiar em tocas de roedores ou sob bebedouros. Sua dependência de fontes de água é particularmente importante para a reprodução, que ocorre geralmente em águas calmas ou de correnteza lenta. O ciclo de vida e o comportamento do Incilius alvarius (Bufo Alvarius) são adaptados ao seu ambiente desértico. Ele é um animal noturno, permanecendo enterrado durante o dia para evitar o calor intenso. Sua dieta é carnívora, consistindo principalmente de invertebrados, mas também inclui lagartos, pequenos mamíferos e outros anfíbios. A época de reprodução geralmente se estende de maio a setembro, coincidindo com as chuvas de verão no hemisfério norte. Durante esse período, os sapos se reúnem em poças de água temporárias e riachos para acasalar. A fêmea pode depositar até 8.000 ovos em longos cordões gelatinosos. Os girinos eclodem em um período de 2 a 12 dias e passam por uma metamorfose rápida, geralmente em menos de um mês. Após a temporada de reprodução, o Incilius alvarius (Bufo Alvarius) retorna à sua toca, onde passa o inverno em um estado de brumação, uma forma de dormência que o ajuda a sobreviver às baixas temperaturas.
O início da inalação do veneno psicodélico do Bufo Incilius alvarius (Bufo alvarius na década) de 1980
A prática de inalar as secreções glandulares do Incilius alvarius (Bufo alvarius) para induzir efeitos psicoativos emergiu e se popularizou após a publicação do influente panfleto de Albert Most em 1983.

A inalação do vapor das secreções secas do sapo desencadeia efeitos psicoativos de maneira extremamente rápida, geralmente em questão de 15 segundos. A experiência resultante é intensa e tipicamente dura entre 5 e 20 minutos. Usuários frequentemente relatam sensações de euforia, o surgimento de alucinações visuais e auditivas vívidas e a ocorrência de experiências místicas profundas, sendo justamente essa velocidade e potência que chama a atenção de pesquisas clínicas. Ao mesmo tempo em que a rapidez do início da ação e a curta duração da experiência distinguem o 5-MeO-DMT de outros psicodélicos comumente conhecidos, ainda assim assemelha-se a também à inalação da NN,-dimetiltriptamina, a DMT que similarmente não encontra correlação com sociedades primitivas ou práticas milenares de inalação.
Embora ambos, 5-MeO-DMT e bufotenina, sejam encontrados nas secreções do Incilius alvarius (Bufo Alvarius), existem diferenças em seus efeitos. O 5-MeO-DMT é geralmente considerado mais potente e capaz de induzir experiências mais intensas do que a bufotenina. Alguns usuários descrevem os efeitos da bufotenina como uma combinação das características do DMT e do 5-MeO-DMT, com relatos de náusea sendo mais frequentes após o uso de bufotenina. A proporção relativa desses compostos nas secreções pode variar entre os indivíduos, o que pode resultar em diferentes nuances na experiência psicodélica/enteógena.
O 5-MeO-DMT é uma substância psicoativa presente tanto na natureza quanto em criações de laboratório. Seu uso pelo homem remonta à antiguidade, integrado a medicamentos tradicionais sul-americanos como vilca, epená e virola. É também encontrado na chalipanga (folha de chagro), um dos componentes, junto ao cipó caapi, da bebida amazônica yagé (ayahuasca colombiana). Curiosamente, embora o yopo também contenha 5-MeO-DMT, pesquisas recentes indicam que sua presença é quase nula; o composto predominante no yopo é, na verdade, a bufotenina (5-HO-DMT).
A descoberta da molécuila do 5-MeO-DMT, no entanto, ocorreu de forma sintética, sendo em 1936, quando os cientistas japoneses Toshio Hoshino e Kenya Shimodaira foram os primeiros a produzi-lo em laboratório, décadas antes de sua identificação em fontes naturais ser amplamente conhecida no mundo ocidental.
Uma das fontes naturais mais notáveis de 5-MeO-DMT é a secreção do sapo Bufo alvarius (atualmente reclassificado como Incilius alvarius). Ironicamente, em contraste com o yopo, o veneno deste sapo contém quantidades consideráveis de 5-MeO-DMT, mas praticamente nenhuma bufotenina (5-HO-DMT).
Existe uma diferença fundamental entre o 5-MeO-DMT sintético e o veneno natural do sapo. Enquanto a versão sintética é a molécula pura, a secreção do Bufo alvarius é um complexo coquetel farmacológico. Além do 5-MeO-DMT, contém pelo menos 21 outros compostos, incluindo:
Agentes cardioativos (bufaginas/bufandienolidos)
Catecolaminas (epinefrina, norepinefrina)
Outras indolealquilaminas (bufotionina, serotonina, cinobufotenina, bufotenina, desidrobufotenina)
Esteróis não cardíacos (colesterol, pró-vitamina D, gama-sitosterol, ergosterol)
Essa complexidade aponta a um possível "efeito comitiva", como é o caso da maconha, onde os componentes atuariam sinergicamente, otimizando os efeitos. A investigação sobre se esses compostos adicionais modulam os efeitos do 5-MeO-DMT de maneira relevante para aplicações terapêuticas é de grande interesse científico, pois essa constelação farmacológica natural poderia, teoricamente, aprimorar os resultados.
No entanto, estudos atuais indicam que as melhorias na saúde mental associadas ao uso de 5-MeO-DMT foram semelhantes tanto para usuários do veneno do sapo quanto para aqueles que utilizaram a versão sintética. Isso sugere que o 5-MeO-DMT é, de fato, o principal composto responsável pelo potencial terapêutico observado.
Embora pareça paradoxal comparar qual substância seria "mais completa" para alcançar um estado de "Completude", a experiência subjetiva relatada sugere que a secreção seca do veneno do sapo, com sua composição natural complexa, funciona como uma "chave mestra" que facilita significativamente esse processo, apesar das evidências de eficácia similar do composto isolado.
Albert Most e o panfleto:

Por trás da popularização do uso psicoativo das secreções inaladas do Incilius alvarius (Bufo Alvarius) está a entidade de Albert Most, um pseudônimo adotado por Ken Nelson. Apesar da influência de seu panfleto, "Bufo Alvarius: The Psychedelic Toad of the Sonoran Desert", a verdadeira identidade de Most permaneceu um mistério para muitos na comunidade psicodélica por décadas.
Essa obscuridade só começou a se dissipar quando Hamilton Morris, conhecido por sua série documental "Hamilton's Pharmacopeia", iniciou uma busca para descobrir quem estava por trás desse pseudônimo enigmático. A busca de Morris culminou em um contato com Ken Nelson em 2019. A publicação do panfleto original ocorreu em 1983, embora algumas fontes mencionem datas ligeiramente diferentes, como 1984 ou 1985, possivelmente referindo-se a diferentes edições. O panfleto, que conta com ilustrações de Gail Patterson, descrevia detalhadamente como extrair as secreções das glândulas parotoides do Incilius alvarius (Bufo Alvarius), secá-las e, finalmente, vaporizá-las para inalação. Além das instruções práticas, o panfleto explorava os efeitos psicoativos do veneno do sapo, sugerindo seu potencial para promover cura e crescimento espiritual.
O impacto do panfleto ainda ecoa hoje em dia, pois forneceu informações cruciais sobre um método até então desconhecido de utilização de um psicodélico natural. A descrição dos efeitos intensos, porém de curta duração, juntamente com a promessa de benefícios espirituais e terapêuticos, despertou interesse e contribuiu para a popularização da prática de inalação do veneno do sapo. Albert Most (Ken Nelson) também foi o fundador da "Church of the Toad of Light" (Igreja do Sapo da Luz), uma congregação informal que venerava o Incilius alvarius (Bufo Alvarius) e suas propriedades psicoativas. Essa "igreja" parece ter sido mais um grupo de indivíduos com interesses em comum do que uma organização religiosa formalmente estruturada.
A busca de Hamilton Morris, um químico, jornalista e cineasta americano conhecido por seu trabalho na série documental "Hamilton's Pharmacopeia" pela identidade de Albert Most foi motivada por seu interesse em documentar a história das substâncias psicoativas e as figuras muitas vezes obscuras que desempenharam papéis cruciais em sua descoberta e popularização. Após a exibição de um episódio de "Hamilton's Pharmacopeia" em 2017, Ken Nelson, utilizando seu pseudônimo Albert Most, enviou uma carta a Morris. Nesta correspondência, Nelson ofereceu sua ajuda para "preencher as peças que faltavam" no quebra-cabeça da história do uso do veneno do sapo. Essa carta representou um ponto de inflexão, levando ao encontro entre Morris e Nelson e à subsequente revelação da verdadeira identidade de Albert Most na estreia da terceira temporada de "Hamilton's Pharmacopeia" em 2020, no alto da pandemia de COVID-19. A documentação desse encontro permitiu que a história de Albert Most fosse contada de maneira mais completa e mais precisa, incluindo a perspectiva do próprio Ken Nelson. Além disso, essa revelação ajudou a corrigir informações equivocadas que circulavam sobre a identidade de Most, como a menção de Alfred Savinelli como sendo o autor do panfleto.
"Ei, Hamilton, ouvi dizer que você estava procurando por Albert Most. Talvez eu possa te ajudar a preencher as peças que faltam do seu quebra-cabeça. Eu sou Albert Most. Eu escrevi sobre o sapo. Eu fumei o veneno do sapo. Vamos conversar algum dia. Ken, Denton, Texas."

Hamilton Morris não apenas reconheceu o erro de ter identificado outra pessoa como Albert Most em um episódio anterior, mas também documentou a pesquisa e a defesa de Ken Nelson em relação ao Incilius alvarius (Bufo alvarius). Em um gesto de reconhecimento pela importância do trabalho de Nelson, Morris republicou o panfleto original sob o nome verdadeiro do autor. Tragicamente, Ken Nelson faleceu de doença de Parkinson em outubro de 2019. Em homenagem à sua memória e contribuições, os lucros obtidos com a republicação do panfleto foram destinados à pesquisa da doença de Parkinson. Essa dedicação demonstra uma preocupação ética com o bem-estar e a saúde, um contraste notável com a natureza frequentemente controversa do tema do uso de psicodélicos.
A ausência de uso tradicional
Embora a presença de representações de sapos na arte mesoamericana e relatos do uso tradicional de outras espécies de sapos com propriedades psicoativas, como o Rhinella marina (pantanal/Mata Atlântica) e Rhaebo guttatus (Amazônia), sugiram uma longa história de interação entre humanos e esses anfíbios, não há evidências conclusivas de que o Incilius alvarius tenha sido utilizado para fins psicoativos por culturas indígenas antes da publicação do panfleto de Albert Most em 1983. A ausência de relatos etnohistóricos sólidos indica que a popularidade do Incilius alvarius (Bufo alvarius) como enteógeno/psicodélico é um fenômeno relativamente recente. As imagens de sapos em artefatos antigos podem ter conotações simbólicas relacionadas à fertilidade, à chuva ou a outros aspectos culturais, sem necessariamente implicar o uso psicoativo específico desta espécie. Especula-se que o Incilius alvarius (Bufo alvarius) poderia ter sido o sapo utilizado em rituais psicoativos em vez do Bufo marinus em algumas culturas mesoamericanas, devido à presença de 5-MeO-DMT em suas secreções. A psicoatividade da bufotenina, principal componente psicoativo do (Rhinela marinus) Bufo marinus, tem sido objeto de debate, o que levou à hipótese de que o Incilius alvarius, contendo o mais potente 5-MeO-DMT, poderia ser o verdadeiro produto utilizado em cerimônias pré colombianas.
Essa afirmação permanece especulativa devido à falta de análises químicas conclusivas de artefatos pertencentes a sociedades organizadas antigamente.

Em contraste com a ausência de uso tradicional comprovado do Incilius alvarius (Bufo alvarius), o uso de plantas como Anadenanthera colubrina e Anadenanthera peregrina, ricas em bufotenina, possui uma longa história de aplicação em sociedades tradicieonais na América do Sul. Da mesma forma, há sugestões de que o Bufo marinus foi utilizado na mesoamérica por suas propriedades intoxicantes, porém sem estudos conclusivos ou relatos orais passados de geração ou geração.
Contudo, há comunidades que de fato tem uma relação próxima com os sapos Incilius ou Rhinela. A perspectiva do povo Yaqui (também chamados de Yoeme, Seri, Comcaac ou Hiaki), uma das 13 sociedades nativas do Deserto de Sonora e que possui uma conexão cultural significativa com o sapo, ao qual chamam de Koarepa, é particularmente relevante.

A etnia vincula tradicionalmente o sapo como uma representação das estações da Terra, sendo o Incilius alvarius (Bufo alvarius) um presságio para a estação de chuva, e, quando não, eram invocados através de danças características passadas de geração por geração. Os nativos Yaqui consideram as narrativas de uso histórico e cultural do Incilius alvarius (Bufo alvarius) para o fim como fabricadas, por mais que hoje em dia alguns membros de suas comunidades façam o uso inalado do veneno do sapo.
Essa declaração direta de uma comunidade indígena sobre espécie lança dúvidas sobre as alegações de um uso tradicional preexistente à publicação de Albert Most (Ken Nelson). O interesse no uso do Incilius alvarius (Bufo alvarius) para fins espirituais e de bem-estar tem, infelizmente, impulsionado a criação de narrativas de uso ancestral que carecem de fundamentação histórica ou etnográfica. Essas narrativas podem ser motivadas por interesses comerciais, buscando capitalizar sobre a ideia de uma conexão ancestral para promover experiências com o veneno do sapo, ao mesmo tempo em que não se descarta que a potência e velocidade da experiência psicodélica eliciada pela inalação do veneno do Incilius alvarius (Bufo alvarius).
Embora não haja uso ancestral, nada impede que sociedades tradicionais e de estrangeiros explorem os símbolos e substância extraídas em troca de dinheiro. Hoje é possível reservar seu quarto para uma, duas e até oito noites no "Spa do Bufo", com escolha entre as modalidades silver, gold, platinum e diamond incluindo substâncias e práticas que empilham saberes ancestrais de múltiplas etnias em até uma semana de caça e morte do ego. Assim, os pacotes custariam aproximadamente (Abril/2025):
Pacote Silver:
Em reais: R$ 2.857 a R$ 3.333
Em dólares: US$ 555 a US$ 588
Atividades: Bufo, som, luz, sauna, gelo e massagem.
Pacote Gold:
Em reais: R$ 4.285 a R$ 5.000
Em dólares: US$ 833 a US$ 882
Atividades: Kambô, bufo, som, luz, flutuação, sauna, gelo e massagem.
Pacote Platinum:
Em reais: R$ 7.142 a R$ 8.333
Em dólares: US$ 1388 a US$ 1470
Atividades: Kambô, bufo, integração, som, luz, flutuação, psilocibina, sauna, gelo e massagem.
Pacote Diamond:
Em reais: R$ 25.714 a R$ 30.000
Em dólares: US$ 5000 a US$ 5294
Atividades: Sauna, gelo, 3x Kambô, som, luz, flutuação, ibogaína, bufo, integração e massagem
Esta prática não está longe do que já ocorre com outras substâncias psicodélicas, como é com a ibogaína e ayahuasca: com retiros em locais paradisíacos como a Jamaica, Peru e Costa Rica que podem até aceitar pagamentos em criptomoedas. O reflexo da neocolonização que vende curas e bem-estar chega, também, às substâncias psicodélicas, transformando-as em um mercado aos que podem bancar o translado
O cenário atual e as implicações
Com o aumento na popularidade do uso das secreções do Incilius alvarius (Bufo alvarius), bem como do 5-MeO-DMT sintético, tanto para fins psiconáuticos, espirituais quanto terapêuticos, há uma preocupação em jogo quantos aos possíveis riscos e principalmente à sustentabilidade desse modelo de negócio. O interesse pode ser atribuído a relatos de efeitos terapêuticos rápidos e profundos, à crescente aceitação e pesquisa sobre psicodélicos em geral e à atenção da mídia, incluindo depoimentos de figuras públicas como Mike Tyson que vivenciaram experiências com o veneno do sapo inalado. Com esse aumento da popularidade, surgiram os chamados "círculos de medicina do sapo", onde as secreções já secas são utilizadas em um contexto cerimonial, frequentemente incorporando elementos de outras tradições psicodélicas como ícaros, chocalhos, defumações, rezos, canto e pajelança. Esses círculos representam uma nova forma de uso ritualístico que não possui raízes históricas tradicionais diretas no uso do Incilius alvarius (Bufo alvarius), mas sim uma adaptação moderna influenciada por outras práticas psicodélicas/enteógenas.

A demanda pelo veneno do Incilius alvarius (Bufo alvarius) levanta sérias preocupações sobre a sustentabilidade da coleta e o impacto nas populações de sapos, pois esses anfíbios já enfrentam ameaças significativas, como perda de habitat, contaminação por pesticidas e a disseminação de doenças como o fungo quitrídio. A coleta excessiva e não regulamentada para a extração de veneno pode exacerbar ainda mais a vulnerabilidade dessas populações. Mesmo que os sapos sejam liberados após a "ordenha", o processo pode ser estressante e potencialmente prejudicial à sua saúde e capacidade reprodutiva, embora muitos extratores/coletores de veneno afirmem que obtém a secreção sem danificar suas glândulas, não há garantia. O que levou muitos dos neoxamas mexicanos, norte-americanos e europeus a manterem fazendas de criação dos sapos.
O status de conservação do Incilius alvarius varia dependendo da região. Embora a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) o classifique como de "Menor Preocupação" em nível global, essa avaliação foi realizada em 2004. Em contraste, nos Estados Unidos, a espécie é considerada possivelmente extirpada na Califórnia, ameaçada no Novo México e vulnerável no Arizona. Essa disparidade sugere que as populações locais podem estar sob pressão significativa.

O desenvolvimento de alternativas sintéticas ao 5-MeO-DMT é visto como uma possível solução mais sustentável para atender à crescente demanda, evitando o impacto direto nas populações selvagens de Incilius alvarius (Bufo alvarius). Além disso, o uso de 5-MeO-DMT sintético permite um maior controle sobre a dosagem e a pureza, o que é particularmente relevante em contextos terapêuticos e de pesquisa. Várias empresas biotecnológicas estão atualmente explorando o potencial terapêutico do 5-MeO-DMT sintético para o tratamento de diversas condições de saúde mental.
Panorama jurídico da 5-MeO-DMT e do Incilius alvarius (Bufo alvarius)
A situação legal da 5-MeO-DMT e do Bufo alvarius varia significativamente em todo o mundo, com diferentes abordagens regulatórias em relação a substâncias psicoativas e à conservação da vida selvagem.
Nos EUA, por exemplo, a 5-MeO-DMT é classificada como uma substância controlada de Classe I sob a Lei de Substâncias Controladas desde 2011. Essa classificação indica que a substância não possui atualmente nenhum uso médico aceito e apresenta um alto potencial de abuso. Isso implica uma postura legal rigorosa em relação a atividades relacionadas à 5-MeO-DMT, influenciando as abordagens policiais em casos envolvendo o Bufo alvarius. No Reino Unido, a 5-MeO-DMT é controlada como uma droga de Classe A sob a Lei de Uso Indevido de Drogas de 1971. As drogas de Classe A estão sujeitas às penalidades mais severas por posse e distribuição, similar à abordagem nos Estados Unidos.
Entretanto, ao analisar o território brasileiro, o uso e a distribuição do veneno do Bufo alvarius são proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), constando na lista F2, que são as substâncias psicoativas controladas até em uso de pesquisa. O Canadá adota uma postura mais branda em relação ao uso pessoal e à posse de 5-MeO-DMT, embora a venda e a distribuição permaneçam ilegais sob a lei federal. Essa distinção pode resultar em diferentes prioridades de fiscalização em comparação com os Estados Unidos, o Reino Unido e o Brasil. Outros países também controlam a 5-MeO-DMT, como a Austrália, a Alemanha, a Suécia e a Turquia. Interessante notar que a 5-MeO-DMT não está listada na Convenção das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas, o que significa que muitos países não a controlam explicitamente, a menos que haja legislação específica.

Em geral, o próprio sapo Incilius alvarius (Bufo alvarius) não figura em listas internacionais de espécies controladas 3. No entanto, nos Estados Unidos, a situação é mais específica. Na Califórnia e no Novo México, o Bufo alvarius é classificado como "ameaçado", tornando sua coleta ilegal. No Arizona, embora seja permitido capturar até 10 sapos com licença de pesca, a posse com a intenção de fumar suas secreções pode constituir uma violação criminal. Além disso, a remoção do sapo do estado é proibida. Em Illinois, o Incilius alvarius (Bufo alvarius) é considerado um "anfíbio venenoso clinicamente significativo", e sua posse é permitida apenas para fins educacionais ou de pesquisa legítimos por instituições científicas ou educacionais.
Vários incidentes de apreensões e casos legais envolvendo o Bufo alvarius foram registrados, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos, refletindo as diferentes abordagens legais e preocupações em cada jurisdição.
No Brasil, o caso do Instituto Xamanismo Sete Raios ganhou destaque. O instituto foi acusado de administrar "bufo" (o veneno do sapo) durante rituais espirituais sem informar os participantes. Participantes relataram efeitos colaterais negativos, como ataques de pânico, ansiedade, surtos psicóticos, problemas respiratórios e pensamentos suicidas. Esse caso ressalta as implicações legais da administração de uma substância proibida sob o pretexto de práticas espirituais, levantando questões sobre consentimento informado e o conflito entre liberdade religiosa, controle de drogas e saúde pública. A Polícia Civil de São Paulo investigou o instituto por possível tráfico de drogas, indicando que as autoridades tratam o uso do "bufo" como uma atividade ilegal no território brasileiro, independentemente do contexto ritualístico alegado.
Em abril de 2023, ocorreu uma apreensão de substância psicoativa em Goiás e no Rio de Janeiro. Aproximadamente 12 gramas de uma substância alucinógena extraída do veneno do Bufo alvarius foram apreendidas na residência de um líder espiritual. A apreensão, considerada inédita em ambos os estados. A substância foi encontrada enterrada no quintal da residência do líder espiritual em Pirenópolis, Goiás.
Nos Estados Unidos, um dos primeiros casos notórios ocorreu em 1994, quando um professor da Califórnia foi a primeira pessoa presa por posse de secreções do sapo. A prisão ocorreu após a publicação de um artigo no The New York Times sobre o uso da substância. A bufotenina, outro componente psicoativo presente nas secreções do sapo, já era proibida na Califórnia desde 1970, indicando que mesmo antes da classificação federal da 5-MeO-DMT, leis estaduais sobre outros componentes psicoativos eram aplicadas.
O futuro do veneno do sapo psicodélico Bufo Alvarius
O Incilius alvarius (Bufo alvarius), que também pode ser chamado de Sapo do Rio Colorado, Sapo do Deserto de Sonora ou Koarepa é uma espécie fascinante e com uma história complexa que esbarra em assuntos muito caros à humanidade e sua evolução societária, como por exemplo:

A taxonomia de espécies que se comportam a partir das estações do ano; a ecologia como forma de coexistência pacífica englobando a extração e manutenção de produtos consumidos por humanos; e o recente surgimento de seu uso psicoativo que remonta às possíveis primeiras vezes que nossa espécie pode expandir sua consciência, ou seja, testando seus conhecimentos após observações. Neste mesmo caldo, a história de Albert Most, o pseudônimo de Ken Nelson, e a subsequente descoberta de sua identidade por Hamilton Morris escancaram como o conhecimento sobre substâncias psicodélicas pode emergir de fontes inesperadas e permanecer obscuro por décadas, sob um véu místico e ou longínquo. A publicação do panfleto em 1983 marcou o ponto de ruptura para o uso moderno das secreções do Incilius alvarius, impulsionando um interesse que continua a crescer, vide os retiros e paginas de vendas na internet.
Reconhecer a ausência de um uso tradicional estabelecido das secreções do Incilius alvarius por culturas indígenas antes da era moderna tem se apresentado com resistência. As alegações de uso ancestral devem ser examinadas criticamente, especialmente à luz das perspectivas das comunidades nativas ainda não dizimadas pelo colonialismo, como o povo Yaqui.
O aumento da popularidade do uso das secreções do Incilius alvarius para fins espirituais e terapêuticos levanta importantes questões éticas sobre a condução desses rituais/cerimônias e especialmente seu futuro. Enquanto a sintetização laboratorial parece ser a opção ecossutentável acertada, o uso em rodas neoxamanicas ainda suscitam o imaginário do consumidor em participar de algo supostamente tradicional. Com sua potência elevada e curta duração há possibilidade de comparar os efeitos terapêuticos em pacientes com transtornos mentais resistentes ao tratamento, bem como para a simples exploração psiconáutica como foi o caso de seu divulgador inicial: Albert "Ken Nelson" Most.
E aqui o vídeo feito pela Priscila Praude (priscilocibina) para o canal da Associação Psicodélica do Brasil:
eu nunc tinha visto a historia completa dessa medicina .... mto bom os videos dos irmaos mexicanos
gratidao por compartilhar